nov 28, 2022 yasmim Destaques, Dúvidas Comentários desativados em Congestionamentos: como a mobilidade urbana pode ajudar nesta questão?
Foi-se o tempo em que uma família tinha um único veículo, aquele que era o carro de todos. Hoje essa realidade mudou, pode-se dizer, até que por completo, em que praticamente cada integrante familiar tem o seu próprio carro. Reflexo desse novo cenário é o excesso de carros nas ruas e, como consequência um número maior de congestionamentos, atrelados aos problemas estruturais das vias nas grandes e, até nas pequenas cidades. Mas, em paralelo temos, também, muitas ações voltadas para a mobilidade urbana pensando em como melhorar congestionamentos no trânsito.
Para conversar conosco sobre como a mobilidade urbana pode ajudar a reduzir o excesso de congestionamento no Brasil, entrevistamos com exclusividade Marcelo Fernandes Elizardo Cardoso, engenheiro Civil com especialização em Transportes.
Cardoso atuou nas áreas de Planejamento e Operação de Transportes como gestor operacional em empresas de ônibus e como consultor independente. Participou, também, da equipe responsável pela elaboração do Plano de Mobilidade Urbana de Macaé, no Rio de Janeiro, além de ter gerenciado parte da logística de transportes no âmbito dos Jogos Olímpicos Rio 2016 e ter sido Secretário Municipal de Mobilidade Urbana de Cabo Frio, também, no Estado do Rio de Janeiro.
Acompanhe as considerações do especialista.
Marcelo Cardoso – Eu listaria dois ‘culpados’ principais: o planejamento urbano não estratégico, mal feito ou inexistente. E, até como consequência dessa circunstância, o sistema público de transporte mal estruturado, mal dimensionado, desorganizado, incapaz de atender as necessidades da demanda.
Sem planejamento, as cidades crescem de modo desordenado, com núcleos (comerciais, residenciais, industriais e de serviços) distribuídos na malha urbana sem critério e, normalmente, em meio a um sistema viário precário, com arruamento mal traçado e vias de pouca capacidade, que tolhem a fluidez do tráfego. Se somarmos a isso obstáculos inerentes à própria circulação, como pontos de parada de ônibus e bolsões de estacionamento, de embarque e desembarque e de carga e descarga, temos uma boa dimensão do problema.
Sem um bom transporte público, as pessoas tendem a preferir o automóvel como seu meio de transporte, contribuindo para a gradativa obstrução desse sistema viário já saturado. Ainda que haja restrições de acesso (zonas proibidas) e de estacionamento (alto custo) para carros de passeio, dependendo da necessidade ou da conveniência, algumas pessoas podem não se dispor a considerar a hipótese do sistema público, porque, de algum modo, ele não as atende de forma satisfatória.
Tende-se, assim, a um ciclo vicioso que atinge a todos.
Marcelo Cardoso – Sim, pois, em linhas gerais, eles degradam a qualidade de vida em vários aspectos. Causam poluição, o mais visível deles para nós, que ficamos retidos nas ruas. Roubam, literalmente, o tempo das pessoas, alongando as viagens e impedindo um aproveitamento mais racional das nossas agendas. Encarecem produtos, seja pelo maior consumo de combustível da frota que atende os fretes, ou pela limitação da capacidade de entrega das cargas, quando se precisa fracioná-las em veículos menores em virtude de restrições à circulação de caminhões de maior porte. Criam, enfim, um ambiente urbano absolutamente inóspito.
Marcelo Cardoso – Por definição, mobilidade urbana é a capacidade de deslocamento de pessoas dentro do espaço urbano, deslocamentos esses que se dão por diversas razões, em especial econômicas, sociais e pessoais. É uma abordagem que transcende os limites do simples estudo dos transportes, integrando a essa visão tudo o que está à volta, principalmente as pessoas e a infraestrutura urbana, o que inclui, entre outros elementos, calçadas, praças e ciclovias.
Modernamente, o planejamento urbano tem-se valido de um conceito chamado TOD – desenvolvimento orientado pelo transporte, na tradução do Inglês, que preconiza que as cidades devam se estruturar em centralidades, ou seja, núcleos – que podemos entender como bairros, nos quais o cidadão disponha de toda a infraestrutura básica de que precise para bem viver. Desta forma, todas as suas atividades rotineiras estariam contidas num perímetro que lhe permitisse acesso a elas a pé, por bicicleta ou pelo transporte público, sem a necessidade de automóvel.
O problema é que isso também tende a criar adensamento. Afinal, é provável que muitos optem por esse modo de vida ‘verde’ e, numa área sem espaços disponíveis para acomodar todo esse público, seria preciso verticalizar a cidade, o que pode não ser o ideal.
A Mobilidade Urbana estaria, de certa forma, resolvida, mas, a um custo que nem todos concordariam em pagar. Por exemplo, em termos de se sacrificar o desejo de uma casa espaçosa, com jardim e piscina, em prol de um apartamento com vista panorâmica para outros apartamentos.
Marcelo Cardoso – É preciso atuar em mudanças nos dois ‘culpados’ que eu mencionei na primeira resposta. Faço questão das aspas, para ressaltar que esses ‘culpados’ são, na verdade, premissas fundamentais que se devem respeitar no gerenciamento urbano. E que costumam ser negligenciadas.
Nas zonas ainda em processo de ocupação, é começar do zero, prezando bons projetos de planejamento urbano e atentando para requisitos fundamentais de mobilidade, particularmente um eficiente sistema de transporte público e uma rede viária compatível com a pretensão do uso do espaço.
Nos locais onde o caos já está instalado, mitigá-lo com soluções de Engenharia de Tráfego de rápida implantação, como mudanças na circulação viária e na sinalização, reposicionamento ou eliminação de paradas de ônibus e vagas de estacionamento, esforços de fiscalização de trânsito para coibir aquelas aparentemente pequenas perturbações que podem evoluir para engarrafamentos que não se compreendem (carga e descarga em horário de ponta, embarque e desembarque em local não autorizado); e reformas nas vias urbanas, com melhorias em aspectos como largura, geometria e pavimentação.
Marcelo Cardoso – Seriam duas ações importantes, sem dúvida. Temos historicamente privilegiado o automóvel, mas eu não gosto da ideia de tratá-lo como vilão, em relação à existência de congestionamentos. Ele é, apenas, a solução de que dispomos, para viabilizar os nossos deslocamentos em meio a um cenário desfavorável.
As bicicletas têm inúmeras vantagens, em termos de opção. Uma política de disseminação do seu uso como transporte urbano é algo bastante bem-vindo. As ‘magrelas’ são um meio de locomoção ‘limpo’, acessível a boa parte da população já que, aqueles que não possam comprar uma bicicleta podem dispor daquelas de aluguel, amigável sob o ponto de vista de ter boa interação com o pedestre e, como se não bastasse, contribui para o bem-estar do ciclista, que está se exercitando e, com isso, salvaguardando a sua saúde.
Contudo, é preciso critério: não me parece racional, pura e simplesmente, estrangular a capacidade de tráfego de uma via arterial apenas para criar espaço para uma ciclovia. Talvez haja rotas alternativas próximas que satisfaçam o projeto.
A melhoria do transporte de massa, por sua vez, é um atrativo de grande relevância, para trazer para o sistema a parte da demanda que dá preferência ao automóvel pela simples conveniência. É algo crucial que deve fazer parte da rotina do gerenciador da Mobilidade Urbana. Isso inclui o acompanhamento operacional contínuo do sistema, de modo a observar o seu comportamento diário e, a partir disso, atuar no dimensionamento de um serviço capaz de suprir a necessidade da cidade. No aspecto planejamento, é preciso estar atento à oportunidade de implantação de novos sistemas e novos equipamentos. Além disso, à necessidade de se contar com planos de contingência bem estruturados, de modo a tornar a operação sempre confiável e mais eficaz.
Marcelo Cardoso – O Poder Público é o agente regulamentador da Mobilidade Urbana, por intermédio da legislação que a rege e da atribuição, que lhe é própria, de fiscal do cumprimento das normas estabelecidas. Neste sentido, seu papel é o de planejador por excelência, desenhando o futuro tal como ele deve ser.
Na conjuntura do cenário caotizado dos congestionamentos, cabe a ele prover, de modo rápido e certeiro, soluções de Planejamento de Transportes e Engenharia de Tráfego. E cuidar de fiscalizar a aplicação e o cumprimento das normas.
No primeiro aspecto, identificar e corrigir as falhas do sistema público de transporte que impedem a melhoria da qualidade do serviço prestado. Isso, na tentativa de atrair demanda oriunda dos usuários de automóveis. Analisar quadros de horários, frequências, itinerários, pontos de parada e adequação da frota, entre outras variáveis.
No segundo caso, identificar e corrigir impropriedades do sistema viário e de sua circulação. Analisar sentidos de tráfego, sinalização (semafórica, vertical e horizontal), pontos de retenção (paradas de ônibus, bolsões de estacionamento, de carga e descarga e de embarque e desembarque). Além de inconformidades de projeto, de manutenção assim como de operação relativas às vias.
Marcelo Cardoso – Com o planejamento estratégico do Sistema Público de Transporte e da Engenharia de Tráfego, permitindo que mais pessoas migrem para o transporte público. Além disso, até, para opções como a bicicleta. Mas sem demonizar o uso do automóvel, que permanecerá sendo opção a ser considerada e, sobretudo, respeitada. Pode existir espaço para todos, em se fazendo direito o dever de casa.
Fonte: Portal do Trânsito
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